Um nome estrangeiro para uma violência cada vez mais brasileira. O termo stealthing, derivado do inglês “stealth” — que significa algo furtivo ou sorrateiro —, tem sido usado para nomear uma prática cruel e invisível: quando um parceiro retira o preservativo durante o sexo sem o consentimento da outra pessoa. Uma nova e inédita pesquisa, conduzida pelo pesquisador Wendell Ferrari, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), traz à tona dados alarmantes sobre essa forma de violência sexual no Brasil.
O levantamento ouviu quase 3 mil vítimas em todas as regiões do país — 2.275 mulheres e 601 homens. Todos os casos relatados envolvem agressores do sexo masculino, em muitos casos pessoas com quem a vítima já mantinha uma relação estável. Em 10% dos relatos, o autor da violência foi o próprio marido.
Apesar da diversidade de gênero entre as vítimas, a dor é comum. O estudo revelou que quase 70% das vítimas nunca falaram sobre o ocorrido. E, entre os que denunciaram, muitos relataram ter sido desacreditados em delegacias e unidades de saúde.
Os impactos do stealthing vão além do momento do abuso. De acordo com a pesquisa, quase 20% das vítimas relataram ter contraído infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), incluindo HIV. Nove mulheres engravidaram após a violência — cinco delas realizaram abortos ilegais, mesmo com o direito legal de interromper a gravidez em casos de violência sexual.
Apesar da gravidade, ainda não há uma legislação específica no Brasil que criminalize o stealthing. No entanto, especialistas apontam que outras normas podem ser utilizadas para enquadrar a prática, como o artigo 215 do Código Penal, que trata de violação sexual mediante fraude, e dispositivos da Lei Maria da Penha, que condena o controle coercitivo sobre a saúde sexual da parceira.
Um importante avanço veio em março deste ano, quando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu oficialmente o stealthing como motivo legítimo para aborto legal.
Se você foi vítima de violência sexual, procure apoio. Ligue 180 ou procure um centro de referência de atendimento à mulher em sua cidade.