
O império da Fazenda Palotina: a terra que vale mais que capitais inteiras, e acabou virando alvo da Polícia Federal
Como alguém pode ter a posse de uma área maior do que cinco capitais brasileiras? Essa é a pergunta que ronda a história da Fazenda Palotina, um território tão vasto que, em sua extensão mais modesta, supera cidades como Recife, João Pessoa, Aracaju, Natal e Vitória.
No centro dessa trama está o latifundiário Sidnei Zamora, figura conhecida no Acre e no sudoeste do Amazonas. Dono da posse da Palotina há décadas, ele tenta regularizar a área insistentemente, mas carrega consigo uma coleção de investigações que colocam seu nome no epicentro de denúncias graves. Fraude, corrupção de agentes públicos, lavagem de dinheiro, desmatamento e até a formação de milícias com uso de forças policiais para intimidar sem-terras da comunidade Marielle Franco fazem parte das acusações levantadas em relatórios da Polícia Federal.
O negócio da família é o gado. De acordo com documentos sigilosos obtidos pelo Intercept, a PF calcula que a pecuária na área da Palotina gere lucro líquido anual de mais de R$ 2,2 milhões. Só há um detalhe que não pode ser ignorado: segundo o Incra, a terra pertence à União. O estudo pericial feito por especialistas aponta que, com base em cálculos conservadores de preço de arroba e margem de lucro, cada hectare gera aproximadamente R$ 360,00 por ano, multiplicados por milhares de hectares que, em tese, nunca deveriam estar sob controle privado.
A legitimidade da posse já foi contestada diversas vezes. Em 2001, a CPI da Ocupação de Terras Públicas da Amazônia determinou o cancelamento do registro da fazenda, decisão confirmada em 2007 com a anulação definitiva da matrícula. Em 2008, uma Floresta Nacional foi criada, sobrepondo parte da área. Mesmo assim, Zamora jamais desistiu: seguiu buscando alternativas jurídicas e, segundo a PF, recorreu ao uso de “laranjas” para tentar burlar decisões.
O que sustenta tamanha persistência? Investigadores apontam para a rede de relações políticas, policiais e jurídicas que a família construiu ao longo do tempo, garantindo vitórias em tribunais e fôlego em meio às denúncias. Ao mesmo tempo, a outra ponta da história revela o conflito: sem-terras relatam ameaças, perseguições e violência, enquanto os Zamora se dizem vítimas de invasões e atribuem a pequenos posseiros o desmatamento e o comércio de madeira na região.
O caso ganhou repercussão nacional quando duas reportagens do Intercept sobre os conflitos na Fazenda Palotina foram censuradas pela Justiça do Acre, levantando dúvidas sobre até onde chega a influência do “clã”.
A pergunta que fica é: como uma posse de terra que já foi considerada ilegal pode resistir a tantos anos de questionamentos oficiais? E, mais que isso, quem perde, e quem ganha, quando uma área maior do que capitais brasileiras fica refém da força de um único sobrenome?