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Justiça por Moisés: por que a condenação não encerra o crime

Por Antonia Tavares (estuda violências desde 2009)

A justiça por Moisés não termina com a condenação dos assassinos. Ali, ela apenas começa. A prisão dos culpados não encerra a violência. Ela inaugura a pergunta que o sistema insiste em evitar: que tipo de crime é esse que se repete, muda de nome, troca o corpo, mas mantém o método?

Não falamos de casos isolados. Falamos de um projeto de sociedade ancorado na violência. O Caso Moisés não é apenas um homicídio. Trata-se de um crime de natureza política, que escolhe suas vítimas não pelo que fizeram, mas pelo que representam socialmente – e são.

Esse tipo de crime produz efeito em cadeia. Quando não é tratado como deveria, naturaliza a barbárie, até que corpos passem a valer apenas como estatística. Ainda assim, recorremos aos dados para reconhecer o fenômeno, mesmo quando eles são insuficientes, subnotificados e divergentes.

Em 2024, enquanto o Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou 202 homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA+, o Observatório de Mortes Violentas de LGBT+ contabilizou 273 assassinatos no mesmo período, o que equivale a uma pessoa LGBT+ morta de forma violenta a cada 30 horas ao longo do ano. Essa divergência não indica erro estatístico, mas a fragilidade institucional na identificação e classificação desses crimes. Em diversos estados, como o Acre, os registros oficiais sequer reconhecem esse tipo de violência, revelando um apagamento sistemático.

Enquanto esse debate não existir, outros continuarão sendo assassinados. O corpo morto de Moisés é um corpo político. E isso precisa ser nomeado. Sem nome, não há enfrentamento. Sem tipificação penal adequada, o sistema segue culpabilizando a vítima, tratando o extermínio como fatalidade, acaso ou “violência urbana”. O que chamam de natural é, na verdade, um fenômeno social produzido, incentivado e tolerado.

Chamaremos aqui esse crime de Homossassinato, pois as tipificações veiculadas na mídia, no referido caso, tendem a desviar o olhar daquilo que está em jogo. O homossassinato é o homicídio praticado contra pessoa homossexual, motivado total ou parcialmente pela orientação sexual real ou presumida da vítima. Trata-se de crime de ódio, fundado na discriminação, na aversão e na tentativa de eliminação simbólica e social dessas existências.

O homossassinato não atinge apenas a vítima individualmente considerada. Produz efeito intimidatório sobre todo um grupo social, reforça padrões excludentes de humanidade aceitável e sustenta um regime de violência sistemática. Por isso, exige resposta penal agravada, investigação especializada e um novo arranjo jurídico no sistema de justiça.

Nomear é um ato político. Tipificar é um passo jurídico indispensável. As categorias atuais são insuficientes: julgam o ato, mas absolvem o projeto. Qual autoridade ousaria transformar este caso em uma causa e levá-lo a cabo como um projeto de sociedade? O Caso Moisés começa, de fato, depois da condenação. E só termina quando essa forma de matar deixar de existir.