
A morte lenta do golpismo e o abandono da direita pensante a Bolsonaro
Por Roraima Rocha
Nunca é demais repetir. Já o disseram juristas, professores, ministros aposentados, articulistas de nome e de ofício: o que aconteceu no 8 de janeiro foi um atentado contra a República. Mas, como os defensores da barbárie não se cansam de tentar reescrever a História, também não nos cansaremos de reiterar o óbvio.
Aquelas cenas não foram “manifestações populares”. Foram hordas de vândalos, imbecilizados pelo ódio e embalados por um discurso de salvação nacional que não passa de populismo de quinta categoria. Foram ataques coordenados contra as sedes dos Três Poderes. A depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, como se destruir o espaço físico das instituições fosse suficiente para demolir a própria democracia.
E houve o símbolo máximo da escatologia política: um golpista, em ato repulsivo, literalmente defecando sobre a mesa de um ministro do STF. Eis o apreço destes canalhas pela democracia: o mesmo que se tem por algo que se pisa e se suja. Não há metáfora mais perfeita para traduzir o desprezo pela civilidade, pela legalidade e pela própria ideia de nação.
Tudo isso foi orquestrado por um covarde que sequer estava no Brasil. Um homem incapaz de assumir a derrota eleitoral, que acreditava, na sua megalomania de aspirante a ditador, que voltaria triunfante, como os tiranos sul-americanos do século passado, montado no apoio dos Estados Unidos e na devastação completa dos Poderes. Os planos não se limitavam à destruição material, pois também havia intenções sombrias, como matar autoridades constituídas, num roteiro de terror político que faria inveja às mais grotescas ditaduras do continente. E, se contarmos os mortos da pandemia, vítimas do negacionismo que ele patrocinou, o projeto de poder já carrega cadáveres suficientes para encher páginas de uma CPI eterna.
Mas o Estado não se rendeu. Não ajoelhou diante da barbárie nem diante do delírio golpista. A máquina democrática, com todas as suas falhas, respondeu. E está respondendo. Cada vândalo, cada instigador, cada financiador precisa e será punido dentro do seu grau de culpabilidade, para que se preserve a memória institucional e para que se marque, com ferro e fogo, a linha que separa dissidência política de crime contra a pátria.
No panteão dos covardes, estão os que fugiram quando a Justiça lhes bateu à porta. Eduardo Bolsonaro, patrioteiro de Miami, é o retrato da infâmia: um canalha que pede a estrangeiros que punam o próprio país, posando de herói enquanto pratica o mais asqueroso ato de traição política. Carla Zambelli, a “pistoleira” de asfalto, também correu. No Acre, temos nosso exemplar local: João Marcos Luz, o ignóbil tocador de berrante, eterno suplente de vereador, que acha que berrar slogans em praça pública contra “injustiças” aos golpistas é ato de bravura. Não é. É só a caricatura provinciana de uma farsa nacional.
E o mais delicioso, do ponto de vista histórico, é que esses movimentos minguaram. Hoje, não passam de algumas dezenas em cidades como Rio Branco, e de algumas centenas, mal ajuntadas, nas capitais maiores. É quase um almoço de família mal frequentado, mas com bandeira na mão e cartaz mal escrito. Quem viveu para ver essa “força popular” reduzida a evento de quermesse política tem o direito de rir. E rir alto.
A população percebeu que esse bando age por interesse próprio. Que a pauta não é salvar o Brasil, mas salvar a própria pele. E é por isso que resta apenas aguardar a prisão do “líder maior”, e ela virá, para que se feche, de vez, o ciclo de delírio.
Enquanto isso, a direita inteligente, pragmática e com visão estratégica já sabe que precisa de outro nome. Gente como Michel Temer, Ronaldo Caiado e até Tarcísio de Freitas já entendeu que é preciso alguém com densidade eleitoral, seriedade e, sobretudo, responsabilidade democrática. Um líder que ame o Brasil mais do que o próprio espelho.
Defender os criminosos do 8 de janeiro é passar pano para um dos episódios mais estapafurdiamente criminosos da história recente do Brasil. É legitimar a bestialidade, transformar a violência em ato político e a subversão em “patriotismo”. Quem ainda repete esse discurso não é patriota: é massa de manobra, ignorante útil ou cúmplice interessado.
Sim, condeno também muitas das arbitrariedades cometidas pelo ministro Alexandre de Moraes na condução desses julgamentos. Isso será tema de outro artigo. Hoje, aqui, importa registrar que os golpistas perderam. O Estado Democrático de Direito venceu. E, apesar do mau cheiro que ainda exala daquela tarde imunda, a democracia respira.
*Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Mestrando em Legal Studies Emphasis in International Law (Must University – EUA); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade Gran); Especialista em Advocacia Cível (Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP); Membro da Comissão de Prerrogativas, Secretário-Geral Tribunal de Ética e Disciplina – TED, e Presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC; e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.