 
								Abóboras importadas do Halloween e lendas amazônicas esquecidas: o desafio de valorizar o folclore brasileiro
Enquanto o Halloween ganha força nas ruas e escolas brasileiras, o folclore da Amazônia com figuras como a Matinta Pereira, o Curupira e o Saci luta para não desaparecer da memória popular.
Hoje, o Brasil parece se vestir de abóboras e morcegos. O Halloween, tradicional celebração norte-americana, conquistou o gosto popular e passou a fazer parte do calendário de escolas, lojas e festas em todo o país. Mas, na contramão do entusiasmo, o folclore amazônico com suas lendas repletas de mistério, ancestralidade e sabedoria popular segue ofuscado pela influência estrangeira.
“É comum vermos escolas inteiras promovendo o Halloween, mas poucas lembrando das nossas próprias histórias”, critica a antropóloga Luciana Nogueira, pesquisadora da cultura amazônica. “A Matinta Pereira, o Curupira, o Caboquinho da Mata e a Iara são símbolos da nossa identidade. Quando deixamos de contá-los, deixamos de nos reconhecer como povo.”
O folclore amazônico é um dos mais ricos patrimônios imateriais do Brasil. Ele combina tradições indígenas, africanas e europeias, traduzindo a própria formação cultural do país.
A Matinta Pereira, que assovia nas madrugadas em forma de coruja, simboliza o respeito aos mistérios da floresta. O Curupira, de pés virados para trás, é o guardião dos animais e da natureza. Já o Saci, com sua esperteza e humor, representa a resistência e a sabedoria popular transmitida de geração em geração.
Essas narrativas, além de encantarem, ensinam sobre equilíbrio ambiental, respeito e coletividade. “O folclore amazônico é uma forma de educação ancestral”, explica o professor Francisco Almeida, da Universidade Federal do Acre. “Cada mito é uma metáfora sobre os limites da convivência humana com o ambiente.”
A globalização e o domínio da cultura midiática norte-americana transformaram o Halloween em um produto de consumo irresistível. Filmes, séries e redes sociais exportam a estética das bruxas e monstros, moldando o imaginário das novas gerações.
Para Nogueira, o problema não está em celebrar o Halloween, mas em deixar que ele substitua o que é nosso.
“Não há mal em brincar com o Halloween. O perigo é deixar que ele apague as vozes da floresta as vozes que contam quem somos”, afirma.
Apesar da força da cultura global, há iniciativas locais que buscam reverter esse cenário. Escolas da região Norte têm promovido festas do folclore, contação de histórias e eventos como a Noite da Matinta, que unem tradição e criatividade para manter vivas as narrativas regionais.
Celebrar o folclore brasileiro é reafirmar a identidade e a diversidade cultural do país. Ele carrega saberes que atravessam séculos e conectam gerações. Na Amazônia, especialmente, o folclore é também um elo espiritual com a floresta e seus mistérios.
“O Brasil é um país de mitos e encantarias”, lembra Almeida. “Quando esquecemos nossas lendas, abrimos espaço para perder o sentido do lugar que ocupamos no mundo.”
Mais do que nostalgia, o resgate do folclore é uma forma de resistência cultural e política um gesto de quem reconhece que a cultura nacional também pode encantar, arrepiar e inspirar.
O Halloween pode ser divertido, mas o folclore amazônico é profundamente nosso. Enquanto o primeiro vem embalado por filmes e fantasias, o segundo nasce das vozes que ecoam nas noites da floresta, das histórias contadas em volta do fogo e das crenças que moldaram nossa identidade.
O desafio, portanto, é equilibrar o novo e o antigo.
E, diante das abóboras iluminadas e dos assobios da Matinta, fica a pergunta que ecoa entre o barulho das festas e o silêncio da mata:
Será que precisamos importar monstros para continuar acreditando na nossa própria magia?
 
			 
			 
                                     
                                     
                                     
                                     
                                    