
Amamentação: Brasil melhora índice, mas não alcança meta mundial
A Assembleia Mundial da Saúde (AMS) estabeleceu como meta global chegar a 2025 com pelo menos 50% dos bebês em aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida. O objetivo é alcançar 70% em 2030. O Brasil, oficialmente, não atingiu os 50%, mas chegou bem perto. Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) de 2019, a taxa de amamentação exclusiva em bebês de até seis meses alcançou 45,8% no país. O avanço é expressivo: duas décadas atrás, em 2006, o índice era de 37,1%. Há 40 anos, era de apenas 4,7%. Mas é preciso avançar muito mais.
Agosto é o mês de conscientização sobre a importância do aleitamento materno. A campanha Agosto Dourado aponta o papel essencial do leite materno para a saúde e o desenvolvimento dos bebês. Alimento mais completo nos primeiros meses de vida, ele fornece todos os nutrientes necessários, fortalece o sistema imunológico e cria um vínculo especial entre mãe e filho. Além dos benefícios individuais, a amamentação é também um ato de saúde pública, capaz de reduzir internações, prevenir doenças e contribuir para uma sociedade mais saudável. Especialistas alertam: amamentar é um direito que deve ser protegido, incentivado e apoiado por todos.
A cor dourada foi estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o leite materno um “alimento de ouro”. No Brasil, a campanha de Agosto Dourado foi instituída pela Lei 13.345, de 2017.
Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Rossiclei Pinheiro reforça que o aleitamento materno melhora a saúde infantil, reduzindo a mortalidade, e favorece o desenvolvimento cognitivo. Para ela, a conscientização sobre o tema ajuda a combater mitos, orienta sobre práticas corretas e oferece apoio às mães, incentivando a amamentação.
— Para o bebê, a amamentação oferece proteção imunológica, reduz o risco de infecções e doenças crônicas e promove o desenvolvimento neurológico e cognitivo. Para a mãe, a amamentação ajuda na recuperação pós-parto, reduz o risco de doenças como câncer de mama e ovário e contribui para o controle de peso. A amamentação também fortalece o vínculo mãe-bebê e pode ter efeitos positivos na saúde mental da mãe.
Benefícios
Rossiclei destaca que a amamentação exclusiva até os seis meses traz benefícios significativos em comparação ao uso de fórmulas infantis. Segundo ela, bebês amamentados exclusivamente têm menor risco de infecções gastrointestinais e respiratórias, além de menor probabilidade de desenvolver alergias e obesidade na vida adulta. Já as fórmulas não oferecem as mesmas propriedades imunológicas e podem estar associadas a riscos maiores para a saúde a longo prazo, afirma a médica.
A representante da SBP também ressalta que amamentar gera impactos positivos que vão além da saúde: contribui para benefícios ambientais, econômicos e sociais, ajudando a construir um futuro mais saudável para as famílias e para o planeta.
— A produção de leite materno não exige transporte, refrigeração ou industrialização, o que reduz o efeito estufa e a emissão de gases. A amamentação também reduz custos familiares, pois crianças amamentadas adoecem menos, diminuindo gastos com hospitalizações e medicamentos.
Colostro
Atento ao assunto, o Senado tem discutido propostas que buscam ampliar o apoio à amamentação no país. A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) é autora do projeto que garante o direito de mães e bebês à amamentação em maternidades e outras instituições de saúde. O PL 2.846/2021 propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990) para estabelecer que hospitais e unidades de atendimento a gestantes devem assegurar esse direito, exceto por razões de saúde. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.
Médica e Procuradora Especial da Mulher, Zenaide destaca que a amamentação já oferece benefícios essenciais nas primeiras horas após o parto.
— Na primeira amamentação já sai o colostro, aquela aguinha que ainda não tem a cor do leite. No colostro a mãe está transferindo à criança todos os anticorpos que ela já tem de defesa formados no próprio corpo. Isso é uma coisa muito grande em termos de salvar vidas.
Zenaide reforça que a amamentação beneficia tanto o bebê quanto a mãe, garantindo vantagens nutricionais e fortalecendo as defesas do organismo da criança.
— Amamentar a criança até um ano de idade, por exemplo, é de uma importância fundamental. A amamentação previne até a obesidade, fora todas as outras patologias. O leite materno é um alimento perfeito, um remédio para prevenir muitas doenças ao longo de toda a vida do ser humano.
A OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendam que a amamentação comece na primeira hora após o nascimento e seja exclusiva nos primeiros seis meses de vida — ou seja, sem oferecer outros alimentos ou líquidos, nem mesmo água.
Livre demanda
Os bebês devem mamar sob livre demanda, sempre que desejarem, de dia ou de noite. O uso de mamadeiras, bicos ou chupetas não é recomendado devido aos riscos potenciais de interferência na amamentação e outros problemas de saúde.
A partir dos seis meses, a criança deve receber alimentos complementares seguros e adequados, mantendo a amamentação até os dois anos de idade ou mais.
Dados do Enani mostram que ainda há desafios para atingir as metas da OMS. Entre crianças menores de dois anos, 96,2% já haviam sido amamentadas alguma vez, mas apenas 62,4% receberam o leite materno na primeira hora de vida.
Segundo a pesquisa, a maioria das crianças recebe aleitamento materno exclusivo apenas até os três meses e a maioria deixa de receber leite materno a partir do 14º mês. Na comparação regional, a maior prevalência foi no Sul (54,3%) e a menor no Nordeste (39%).
O aleitamento materno continuado até o segundo ano de vida foi de 35,5%, abaixo da meta da OMS de 60%. Esse índice foi maior no Nordeste (48%) e menor no Sudeste (23,4%). Entre 12 e 15 meses, mais da metade das crianças (52,1%) ainda mamava, mas esse número caía para 43% entre 16 e 19 meses e para 35,5% aos 20-23 meses.
O estudo também revelou práticas que podem prejudicar a amamentação. Mais da metade das crianças menores de dois anos (52,1%) usava mamadeira ou chuquinha, e 43,9% utilizavam chupeta. A amamentação cruzada — a prática de amamentar bebê que não é filho biológico — é contraindicada pelo Ministério da Saúde e foi relatada por 21,1% das mães, com maior ocorrência na região Norte (34,8%). Já a doação de leite materno foi baixa, apenas 4,8% das mães, e 3,6% das crianças receberam leite humano de bancos de leite.
Obstáculos
Para a representante da SBP, os principais desafios para que as mães mantenham a amamentação exclusiva até os seis meses são a falta de apoio social e familiar, a desinformação, dificuldades na técnica de amamentar e a preocupação com a produção de leite.
— Além disso, práticas hospitalares inadequadas — como não respeitar a “hora de ouro”, quando bebês que nascem saudáveis não são colocados em contato pele a pele imediatamente após o parto — e a introdução precoce de fórmulas infantis podem afetar a amamentação exclusiva desde a alta hospitalar.
A médica acrescenta que o retorno ao trabalho ainda é um dos maiores desafios para manter a amamentação exclusiva. Para apoiar essas mulheres, Rossiclei defende licenças-maternidade mais longas e flexíveis, além da criação de salas de apoio à amamentação em universidades, escolas e locais de trabalho. Ela também reforça a importância de horários flexíveis e de uma cultura organizacional que valorize e incentive a prática.
— Mães que amamentam com apoio adequado faltam menos ao trabalho devido a doenças infantis, reforçando a importância da extensão da licença-maternidade para garantir o aleitamento exclusivo por seis meses.
Apoio profissional
A publicitária Raissa Barreto Barros, 34 anos, é mãe de Bento, 3 anos, e Mel, de apenas 45 dias. Sua experiência com a amamentação começou com dificuldades, especialmente no nascimento do primeiro filho. Logo após o parto de Bento, Raissa enfrentou problemas como sucção ineficaz, mamilos invertidos e falta de apoio adequado no hospital.
— Ao contrário do que muitas mulheres pensam, não é algo instintivo. Precisa aprender a posicionar o bebê e ter paciência, pois aquele bebê que nasceu também está aprendendo a mamar. No hospital, os profissionais não estavam preparados para ajudar e o pediatra prescreveu fórmula na primeira dificuldade, sem avaliar a mamada.
Raissa, que atualmente mantém a amamentação exclusiva e sob livre demanda, afirma que o apoio do parceiro e de um profissional especializado foi fundamental nas duas jornadas de amamentação. Para ela, vale a pena persistir, apesar das dificuldades iniciais. A publicitária amamentou o primeiro filho até os 2 anos e 9 meses.
— Nunca pensei em desistir por completo, mas nos mementos difíceis a gente sempre pensa em dar fórmula e mamadeira. As vezes parece o caminho mais fácil, mas me informei muito e sabia que o melhor para eles era o leite materno, por isso persisti. […] Tem muita gente vendendo milagre na internet, curso online, mas acredito que poucos estão comprometidos de fato com a saúde mental da mãe.
Para Raissa, o retorno ao trabalho é uma das etapas mais difíceis da amamentação, já que a licença-maternidade de 120 dias não corresponde ao período recomendado para a amamentação exclusiva.
— Até o bebê de fato comer bem, demora. Então por um bom tempo, tirava o leite no trabalho para ele poder tomar na minha ausência. Apenas quando ele já estava comendo bem que parei de ordenhar, isso levou uns 3 ou 4 meses. Com a Mel acredito que vou fazer da mesma forma.
Estatuto da Gestante
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) é autor do projeto de lei que cria o Estatuto da Gestante (PL 2.285/2022). Médico, ele afirma que a proposta vai além de garantir o direito de amamentar, prevendo apoio ativo das equipes de saúde às lactantes e incentivo à amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida. O texto está em análise na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Para o senador, o Parlamento pode assegurar condições de trabalho adequadas para mães que amamentam por meio de medidas como ampliação dos intervalos para aleitamento, flexibilização de horários, redução temporária da jornada e garantia de estabilidade no emprego.
— Deve-se implementar não apenas uma fiscalização eficiente, mas também incentivar as empresas a adotarem essas ações, promovendo um ambiente corporativo que valorize e facilite a continuidade da amamentação no retorno ao trabalho.
Ele ressalta que muitas mulheres interrompem a amamentação antes do tempo recomendado por dificuldades para conciliar o trabalho com os cuidados do bebê. Na avaliação do parlamentar, é preciso ampliar a licença-maternidade, criar licença compartilhada com os pais, apoiar mulheres autônomas e combater a discriminação no mercado de trabalho.
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), relatora do projeto que criou o selo Empresa Amiga da Amamentação (Lei 14.683, de 2023), afirma que, além de assegurar a aplicação efetiva da licença-maternidade e das pausas para amamentar, é necessário ampliar a rede de apoio no ambiente de trabalho.
— Isso inclui a instalação de salas de amamentação, flexibilização de horários, incentivo ao teletrabalho quando possível e campanhas permanentes de conscientização. Reconhecer publicamente as empresas que adotam essas medidas, como faz o Selo Empresa Amiga da Amamentação, é um estímulo para que mais organizações adotem boas práticas.
Segundo a senadora, cabe ao Parlamento fiscalizar a execução das políticas públicas e incentivar parcerias com órgãos públicos e privados, para que o retorno da mãe ao trabalho não se torne um obstáculo à continuidade da amamentação.
Vulnerabilidade social
Rogério Carvalho destaca que mulheres em situação de vulnerabilidade social enfrentam ainda mais obstáculos para manter o aleitamento materno. Segundo ele, mulheres negras e de baixa renda são as mais afetadas, lidando com dificuldades para obter atendimento médico adequado, problemas de transporte e outras barreiras.
— Esta é uma questão crítica que exige ações específicas e diferenciadas. […] Precisamos fortalecer a rede de atenção básica, descentralizar os serviços públicos, promover orientação adequada a essas mulheres, garantir transporte público adequado, aumentar a capacitação dos profissionais de saúde, melhorar a educação no país e promover a integração das políticas sociais para uma assistência verdadeiramente integral.
Para alcançar esse público, a senadora Daniella Ribeiro defende que as políticas de amamentação sejam integradas a programas sociais e de saúde pública, garantindo acesso à informação, atendimento nas unidades básicas de saúde e apoio logístico, como transporte e locais seguros para amamentar.
— Além disso, parcerias com empresas e organizações da sociedade civil podem ampliar o alcance dessas ações, inclusive com campanhas educativas nas comunidades e incentivo à doação de leite materno para bancos de leite humano.
Doação
A doação de leite materno é essencial para ajudar na recuperação de bebês prematuros ou de baixo peso internados em UTIs neonatais, que muitas vezes têm dificuldade para mamar. Toda mulher que amamenta pode ser doadora, desde que seja saudável e não use medicamentos que prejudiquem a amamentação.
De acordo com a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, 198,6 mil mulheres realizaram doação de leite em 2023, possibilitando o atendimento de 225,7 mil recém-nascidos. No total, foram coletados 253,2 mil litros de leite ao longo do ano. Já em 2024, 193,2 mil doadoras contribuíram para beneficiar 219,3 mil bebês, com um total de 245,7 mil litros de leite coletados. Até maio de 2025, os bancos de leite já contabilizaram 78,3 mil doadoras, que ajudaram a alimentar 95,7 mil recém-nascidos. Nesse período, foram arrecadados 100,4 mil litros de leite.
A doação de leite materno ajuda a garantir o desenvolvimento saudável de bebês prematuros ou de baixo peso internados em unidades neonatais. Durante a abertura da Semana Mundial da Amamentação, o Ministério da Saúde anunciou o investimento de R$ 40,6 milhões para fortalecer os 226 bancos de leite humano do Brasil. A medida visa ampliar a coleta e distribuição de leite, apoiar profissionais de saúde e garantir a segurança alimentar de recém-nascidos.
Políticas públicas
A representante da SBP afirma que o Brasil tem avançado de forma significativa nas políticas públicas de incentivo à amamentação. Entre as ações, destaca-se a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que promove práticas favoráveis ao aleitamento materno, e a ampliação da licença-maternidade para seis meses em empresas participantes do programa Empresa Cidadã. Rossiclei também ressalta que o país realiza campanhas de conscientização e conta com leis que garantem o direito de amamentar em locais públicos.
— O compromisso coletivo do Ministério da Saúde, sociedades de especialidades e organizações não governamentais tem trabalhado em conjunto pela melhoria dos indicadores. A prática global pode diminuir a mortalidade materna e a de crianças até cinco anos de vida.
A médica defende que é necessário fortalecer as políticas de apoio às mães trabalhadoras, sensibilizar empregadores sobre a importância da amamentação e aprimorar o treinamento de profissionais de saúde para oferecer suporte eficaz às mães.
Rogério Carvalho reforça o papel do Senado na ampliação dessas políticas, por meio da promoção de debates, realização de audiências públicas e definição de diretrizes para melhorar os serviços públicos.
— O Senado pode incentivar e apoiar ações que melhorem a situação das mulheres, abrangendo aspectos trabalhistas, de saúde e de formação e qualificação dos profissionais envolvidos na atenção à mulher e ao neonato.
Licença-paternidade
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou, neste mês, uma Carta Aberta em defesa da ampliação da licença-paternidade. O documento ressalta que a presença do pai nos primeiros meses de vida do bebê é essencial para fortalecer o vínculo familiar e aumentar as chances de sucesso da amamentação.
A iniciativa faz parte dos esforços da Coalização Licença Paternidade (CoPai), que reúne organizações da sociedade civil, entidades científicas e especialistas. O texto também apoia propostas em análise no Congresso Nacional que buscam ampliar o período de afastamento dos pais, atualmente limitado a cinco dias.
Segundo a SBP, estudos indicam que pais que têm pelo menos quatro semanas de licença contribuem mais para a amamentação, fortalecem o vínculo afetivo e dividem de forma mais equilibrada os cuidados com a mãe e o bebê.
Fonte: Agência Senado