
Constituição brasileira tem primeiras traduções para línguas indígenas
Os Tikuna, mais numeroso povo indígena na Amazônia brasileira, foram os primeiros a conhecer a versão em sua língua de trechos da Constituição Federal de 1988. Objeto do programa Língua Indígena Viva no Direito, a tradução foi submetida a consulta junto à comunidade em encontro realizado na última sexta-feira (12/9), na Comunidade Santo Antônio, em Benjamin Constant (AM), na região do Alto Solimões.
O programa é fruto de uma parceria entre a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e está sendo executado pela organização da sociedade civil Instituto de Direito Global (IDGlobal), vencedora de edital de chamamento público lançado pela AGU em novembro de 2024.
O instituto atua em rede com outras organizações da sociedade civil que trabalham diretamente com os povos indígenas aos quais o projeto é voltado. A gestão e o monitoramento do programa estão sob a responsabilidade da AGU.
O projeto tem como meta a tradução da Constituição Federal, da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para as três línguas indígenas mais faladas no Brasil: Tikuna, Kaiowá e Kaingang.
O objetivo é criar uma ponte de entendimento entre os povos indígenas e os responsáveis pela formulação e aplicação das leis brasileiras, ampliando o diálogo intercultural, promovendo a igualdade e fortalecendo a cidadania dos povos indígenas.
Validação pela comunidade
Para garantir que a tradução respeite e preserve a integridade cultural das línguas indígenas, o processo inclui consultas de validação a líderes comunitários e outros membros respeitados da comunidade.
As traduções buscam superar barreiras linguísticas e culturais e consideram como os sistemas legais indígenas podem interagir e complementar a legislação oficial brasileira. A ideia é permitir que os povos indígenas compreendam plenamente seus direitos, participem ativamente do processo democrático e protejam suas tradições e modos de vida.
A tradução e integração de normas, documentos, termos, conceitos e institutos jurídicos é um dos eixos do Língua Indígena Viva no Direito. O outro envolve a formação e capacitação em conteúdos relacionados à legislação nacional e internacional e a valores sociais e culturais das diferentes comunidades indígenas.
Participação ativa
“Foi um evento muito significativo, que contou com a participação de diversas lideranças de comunidades indígenas Tikuna das proximidades. As pessoas presentes mostraram grande receptividade com a tradução da Constituição Federal para a língua Tikuna, acompanharam atentamente a leitura e expressaram muita satisfação com a participação do bolsista Maycon Flores e dos tradutores tradicionais Atos Fermin, Bernabé Bitencourt e Teodorino Maduca, todos Tikunas”, conta a advogada da União Gabriela da Silva Brandão, da comissão de monitoramento do programa.
Representando a AGU no encontro, Gabriela relata que os participantes indígenas reafirmaram a importância do reconhecimento e da preservação da língua, da cultura, das tradições e da identidade Tikuna. “Além disso, eles fizeram apontamentos relevantes para o aprimoramento da tradução apresentada”, diz.
Esta foi a primeira ação do processo de validação da tradução da primeira parte da Constituição Federal pelos Tikuna. A Makira-E’ta poderá receber novas considerações até o próximo dia 1º de outubro.
O povo Tikuna, que tem 34 mil falantes da língua originária, está localizado principalmente no estado do Amazonas, ocupando seis municípios na região do Alto Solimões: Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins. Com presença também na Colômbia e no Peru, os Tikuna têm uma história marcada por ocupações violentas de suas terras por seringueiros, pescadores e madeireiros – seus territórios só foram oficialmente reconhecidas nos anos 1990.
Kaiowá e Kaingang
As próximas comunidades indígenas a terem a oportunidade de conhecer, debater e validar as traduções do texto constitucional para suas línguas serão os Guarani-Kaiowá e os Kaingang, que estão entre as que têm o maior número de falantes das línguas originárias no Brasil.
Os Kaingang poderão avaliar os textos já traduzidos durante programação marcada para a próxima sexta-feira (19/9), na Floresta Nacional do Município de Canela, no Rio Grande do Sul, onde há forte presença desta comunidade. Outros estados com presença marcante do povo Kaingang são Paraná, Santa Catarina e São Paulo. A língua Kaingang, falada por 22 mil indígenas, pertence à família linguística Jê.
O povo Guarani-Kaiowá, localizado majoritariamente no estado de Mato Grosso do Sul, tomará contato com os textos no dia 16 de outubro próximo, na Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, situada no município de Rio Brilhante (MS). A consulta à comunidade será realizada durante o ritual da Grande Dança Sagrada das Mulheres Guarani-Kaiowá. São 26 mil os falantes da língua Guarani-Kaiowá, que pertence à família Tupi-Guarani e apresenta variações dialetais que refletem as diferentes realidades das comunidades.
Os primeiros trechos da Constituição traduzidos para as línguas indígenas incluem os seguintes artigos: Art. 5º (inteiro teor): Direitos Fundamentais; Art. 6º (inteiro teor): Direitos Sociais; Art. 20, XI: Terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas como bens da União; Art. 49, XVI: Autorização do Congresso Nacional para exploração de recursos em terras indígenas; Art. 231: Nulidade das ocupações de terras indígenas contrárias à Constituição; Art. 232: Direito dos povos indígenas de ingressar em juízo para defesa de seus direitos, com participação do Ministério Público.
O evento foi organizado pela Makira E’ta, a Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas, parceira local do IDGlobal, representada pela coordenadora Rosimere Teles. Participaram ainda o coordenador do Conselho Geral da Tribo Tikuna, Paulino Manoelzinho Nunes; e o coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos indígenas (Funai) no Alto Solimões, Ildinei Tomas do Carmo.
Por: Gov.Br