
Crescimento religioso, intolerância e corrupção: o Brasil está caminhando para uma nova inquisição sob o lema ‘Deus, Pátria e Família’?
Por Belchior, Gaspar e Baltazar
O aumento de templos e fiéis evangélicos coincide com o crescimento de discursos de ódio, intolerância religiosa, corrupção e retrocessos sociais.
Nos últimos anos, o Brasil tem observado um crescimento significativo no número de evangélicos e na construção de templos religiosos. Dados do Censo Demográfico de 2022 indicam que a proporção de evangélicos na população brasileira aumentou de 21,6% em 2010 para 26,9% em 2022, representando um acréscimo de aproximadamente 12 milhões de pessoas. Esse crescimento também é evidente no Acre, onde os evangélicos passaram de 32,66% para 44,38% da população com 10 anos ou mais entre 2010 e 2022.
O aumento de templos e igrejas com cerca de 5 mil novas congregações abertas por ano, totalizando aproximadamente 140 mil em todo o Brasil mostra uma expansão religiosa sem precedentes. Entretanto, esse crescimento coincide com o aumento de casos de intolerância religiosa e discursos de ódio. Em 2024, foram registradas 3.853 violações motivadas por intolerância religiosa em todo o país, um aumento de mais de 80% em relação ao ano anterior, com as religiões de matriz africana sendo as mais atingidas. No Acre, a expansão evangélica tem gerado tensões com outras comunidades religiosas, que relatam episódios de discriminação e pressão social.
Além disso, o Brasil registrou em 2024 a pior posição histórica no Índice de Percepção da Corrupção, ocupando a 107ª posição entre 180 países, com uma pontuação de 34 pontos. Esse cenário levanta questões sobre a relação entre religião e política. O aumento de líderes religiosos no cenário político pode influenciar a formulação de políticas públicas, potencialmente marginalizando grupos que não compartilham da mesma fé. Em estados como o Acre, onde a diversidade religiosa é significativa, a ascensão de discursos religiosos intolerantes pode afetar a inclusão e os direitos de minorias.
Especialistas questionam se estamos caminhando para uma nova inquisição. No período medieval, a inquisição foi usada para perseguir, torturar e matar aqueles que não seguiam os dogmas religiosos impostos. Hoje, embora de forma diferente, o crescimento de discursos religiosos intolerantes pode criar um clima social de medo e censura, onde certos grupos são vistos como “fora” do padrão moral aceito, limitando sua liberdade e oportunidades.
Esse cenário levanta uma questão central: qual futuro estamos destinando para aqueles que não compartilham das crenças majoritárias? Se a religião, em sua expansão, começa a determinar normas sociais, políticas e direitos, o risco é a construção de uma sociedade excludente, onde o respeito à diversidade e aos direitos humanos se enfraquece.
Nesse contexto, ganha força o lema “Deus, Pátria e Família”, amplamente utilizado pela direita conservadora brasileira como bandeira ideológica. Recuperado de discursos autoritários do século XX, esse slogan funciona como um dispositivo simbólico para unir religião e nacionalismo, promovendo uma visão homogênea de sociedade em que a diversidade cultural, religiosa e de costumes é frequentemente vista como ameaça. Ao mesmo tempo em que mobiliza setores conservadores, essa retórica contribui para a legitimação de políticas excludentes e para a naturalização da intolerância, já que coloca em oposição os que se enquadram nesse modelo e os que dele divergem.
O desafio é grande. O crescimento religioso não é necessariamente negativo, mas precisa ser acompanhado de reflexão crítica. A promoção da liberdade religiosa, do diálogo inter-religioso e da proteção de direitos de todos os cidadãos é essencial para que a sociedade brasileira, e o Acre em particular, não retrocedam a um período de intolerância e exclusão, mas caminhem rumo a uma convivência plural e democrática.