
‘Eu Capitu’: espetáculo chega à capital acreana para provocar reflexões pelo olhar feminino no teatro
Completando 125 de sua primeira publicação, o clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis, terá uma releitura encenada na capital acreana, na peça “Eu Capitu”. Com texto de Carla Faour e direção de Miwa Yanagizawa, o espetáculo visa dar voz às mulheres e traz à cena a história a partir da visão de Ana, uma menina prestes a entrar na adolescência, que vivencia o fim do relacionamento abusivo da mãe.
Em Rio Branco, Acre, pela primeira vez, “Eu Capitu” terá apresentações gratuitas nos dias 13, 14 e 15 de setembro, na Usina de Arte João Donato (R. das Acácias, 1155 – Distrito Industrial). No sábado, 13, a sessão será acessível com recurso de audiodescrição, para pessoas com deficiência visual, e tradução em Libras, para pessoas com deficiência auditiva. Já no domingo, 14, ao final do espetáculo, a plateia vai desfrutar de uma roda de conversa sobre o tema. A retirada de ingressos será realizada na bilheteria da Usina de Arte, uma hora antes da peça. Na segunda-feira, 15, será promovida uma apresentação exclusiva para estudantes da rede pública de ensino e projetos sociais, também na Usina de Artes.
O espetáculo é um alerta sobre o aumento nos casos de feminicídio. Por anos, o Acre esteve entre os estados com as maiores taxas de mortes de mulheres por questões de gênero. Em 2023, por exemplo, o estado ocupou o 2º lugar no ranking nacional, com uma taxa de 2,4 feminicídios a cada 100 mil mulheres, um dado alarmante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A violência é confirmada por um estudo do Observatório de Violência de Gênero do Ministério Público do Acre (MPAC), que registrou 77 feminicídios consumados e 111 tentativas entre 2018 e 2024. No entanto, um dado recente traz uma perspectiva positiva: em 2024, a taxa de feminicídio no Acre foi a menor dos últimos sete anos, chegando a 1,9 por 100 mil mulheres, indicando uma mudança importante no cenário local.
A peça propõe uma reflexão profunda sobre a violência de gênero, entrelaçando elementos de fantasia com a realidade brutal enfrentada por mulheres. Ao unir a ficção ao cotidiano das vítimas, a obra oferece uma perspectiva única e poderosa para abordar um tema tão sensível.
“Logo de início, entendi que não queria uma peça realista. Se o assunto era muito duro e pesado, eu queria falar de uma forma doce e lúdica com a criação de um universo simbólico e metafórico.”, resume Carla Faour, que chama a atenção pelo fato de a peça dar voz a mulheres em um mundo que tem a narrativa masculina, seja na política, nas artes, na história ou nas famílias.
“Eu Capitu” foi aprovado na Seleção Petrobras Cultural e conta com recursos através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura. A peça já foi apresentada em Brasília, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e São Luís, com lotação máxima, e depois de Rio Branco segue para Porto Velho, Salvador, Fortaleza e Manaus.
O olhar feminino da obra de Machado de Assis
Em “Eu Capitu”, a menina Ana, interpretada pela atriz Mika Makino, tem por hábito se isolar em um mundo imaginário como forma de fugir dos problemas que enfrenta em casa. Sua mãe, Leninha, representada pela atriz Juliana Trimer, vive um relacionamento abusivo com o marido. A tensão doméstica acaba por refletir no rendimento escolar da menina que precisa tirar boas notas em Literatura para não repetir o ano. A prova final vai ser baseada na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. No entanto, a leitura afeta diretamente a menina que passa a enxergar pontos em comum entre o livro e sua vida.
Em seu refúgio fantástico, Ana começa a misturar ficção com realidade e recebe a visita de uma mulher misteriosa, que tem o rosto parecido ao de sua mãe. Aos poucos descobrimos que esta mulher é Capitu, a personagem ícone da obra Machadiana. Nesses encontros, Ana dá voz àquela mulher que só conhecemos através do olhar masculino. A improvável ligação entre elas serve à menina, que está entrando na adolescência, como um rito de passagem para o universo feminino adulto, em que ela começa a entender o que significa ser mulher num mundo narrado por homens.
Esta é a história da produção que se baseia nas provocações sobre o original machadiano e reflete sobre machismo, dores e silenciamentos de mulheres contemporâneas.
“No palco, as atrizes encenam uma história que se passa no Brasil de hoje, quando Ana, adolescente presa em um ambiente de tensão doméstica, presencia o fim de um relacionamento abusivo de sua mãe. Para nós interessa instigar o olhar da plateia, convidá-la a imaginar outras possibilidades narrativas, tomar consciência das coisas se valendo de mais de uma perspectiva. Portanto, juntas, levantamos questionamentos e nos apropriamos deles para desdobrá-los ao invés de buscar soluções definitivas.”, ressalta a diretora Miwa Yanagizawa.
A peça foi idealizada pelo produtor Felipe Valle, após testemunhar indiretamente um episódio de violência doméstica em que não conseguiu intervir e teve a denúncia recusada pela polícia. O sentimento de impotência o levou intuitivamente a pensar em ‘Dom Casmurro’. Ao reler o livro com os olhos de agora, Valle percebeu toda a violência contida naquele clássico e resolveu trazê-lo para as luzes da ribalta pelo olhar feminino. “O convite para direção, escrita e encenação não foi à toa. São as mulheres que vão dar vida a esta história tão atual, eterna, cheia de nuances, simbolismos e de machismos do nosso sempre dia a dia”, pontua.
Atividades formativas
Além da apresentação do espetáculo, também serão realizadas duas oficinas em Rio Branco (AC), na segunda-feira (15).
A Oficina Petrobras Eu Outra, que será ministrada por Miwa Yanagizawa, vai propor a busca da construção de fricções entre narrativas pessoais e ficcionais a partir de objetos afetivos escolhidos pelas participantes. Miwa Yanagizawa é atriz, diretora de teatro, fundadora do AREAS Coletivo, assina a direção do espetáculo Eu Capitu. Entre seus trabalhos, estão “Nastácia”, de Pedro Brício, obra a partir do romance “O Idiota”, de Fiódor Dostoiévski, que recebeu o Prêmio Shell e Prêmio APTR de melhor direção do ano de 2019, “Plano sobre queda”, dramaturgia realizada em colaboração do coletivo com Emanuel Aragão e “Breu”, de Pedro Brício, que recebeu Prêmio Questão de Crítica de Melhor Direção e Iluminação e Prêmio APTR de Melhor Cenografia e entre outros.
Voltada a artistas e estudantes de teatro, a atividade será realizada das 9h às 13h, na Universidade Federal do Acre [ABI Teatro (UFAC) | Teatro Laboratório | Sala Espaço Cênico]. Serão disponibilizadas 15 vagas, as inscrições podem ser feitas pelo link abaixo.
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLScxh2b0VCp5JpiQXVruq05SiygBGTgeR1p91opjsrZ6vmKWeQ/viewform
Para quem quer aprender sobre produção executiva e planejamento de projetos culturais, a Oficina Petrobras da Ideia ao Projeto é a oportunidade ideal. Conduzida pelo produtor e gestor cultural, Felipe Valle, a oficina abordará os passos essenciais para a criação e elaboração de um projeto, desde a concepção até a execução. Será das 9h às 13h, na Universidade Federal do Acre [ABI Teatro (UFAC) | Teatro Laboratório | Sala Laboratório de Cenografia]. Serão disponibilizadas 30 vagas. As inscrições podem ser feitas pelo link abaixo.
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfsOv48Rng3OvXrMLRbdGdz8MS3QzgD8N2Ekx834oXrt-nUvQ/viewform
Ficha Técnica
Direção Artística: Miwa Yanagizawa / Texto: Carla Faour / Diretora Assistente: Maria Lucas / Idealização e Direção Geral: Felipe Valle / Direção de Produção: Bárbara Galvão (Pagu Produções Culturais) / Coordenação de Projeto: Trupe Produções Artísticas / Elenco: Juliana Trimer e Mika Makino / Direção Sonora, Trilha Original e Preparação Vocal: Azullllllll / Direção de Arte: Teresa Abreu / Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni / Produção Executiva: Bem Medeiro / Produtora Assistente: Natalia Dias / Produção Local: Sacha Alencar / Assistente de Produção Local: Brenn Souza / Design Gráfico e Fotografia: Daniel Barboza / Assessoria de Imprensa: Maria Meirelles / Produtora Associada: Pagu Produções Culturais / Realização: Trupe Produções Artísticas / Patrocínio: Petrobras
Serviço
O quê: Espetáculo “Eu Capitu” chega pela primeira vez a Rio Branco
Local: Usina de Arte João Donato – R. das Acácias, 1155 – Distrito Industrial, Rio Branco, Acre
Datas:
13/09 – 19h – Sessão gratuita aberta ao público, com audiodescrição e tradução em Libras
14/09 – 19h – Sessão gratuita aberta ao público, com roda de conversa ao final
15/09 – 15h –Sessão gratuita e exclusiva para estudantes da Ufac, rede pública de ensino e projetos sociais
Ingressos: Retirada na bilheteria da Usina de Arte, 1h antes do espetáculo
Classificação: 14 anos
Duração: 90 min