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Imunidade parlamentar: proteção à democracia, não à ofensa

Por Thalles Sales

Circulou nas redes sociais um episódio lamentável envolvendo um vereador de Feijó, que utilizou a tribuna para dirigir palavras depreciativas a duas vereadoras da cidade, chamando-as de “cobras”, “rainhas da cocada preta” e “santinhas do pau oco”.

O fato, embora grave, serve aqui apenas como ponto de partida para um debate muito mais amplo e necessário: quais são os limites da imunidade parlamentar?

A imunidade é uma das instituições centrais da democracia representativa. Sem ela, parlamentares poderiam ser perseguidos por suas opiniões políticas, o que enfraqueceria o papel fiscalizador do Legislativo.

No entanto, como já reconhecido pelos tribunais (inclusive pelo Tribunal de Justiça do Acre), essa proteção não é e nunca foi absoluta.

A Constituição assegura que vereadores, deputados e senadores não podem ser responsabilizados civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos quando essas manifestações guardam relação com o exercício do mandato.

O ponto decisivo é justamente este: a vinculação funcional. O escudo constitucional existe para garantir independência política, não para servir como carta branca para ataques pessoais, ofensas gratuitas ou discursos que não têm qualquer relação com a função legislativa.

É por isso que, quando o parlamentar ultrapassa essa fronteira, resta configurado o abuso. O TJAC já afirmou expressamente que, nesses casos, a imunidade não se aplica, permitindo-se a responsabilização civil por danos morais quando há violação à honra alheia fora do âmbito funcional.

Sobre o caso de Feijó, é importante observar que certas expressões carregam peso histórico. “Santinha do pau oco”, por exemplo, remete ao período colonial, quando imagens ocas eram usadas para esconder ouro e contrabando, o que, até hoje, dá à expressão o sentido de falsidade e dissimulação.

Não se trata, portanto, de algo irrelevante.

O debate aqui, porém, não é sobre o caso específico, e sim sobre algo maior: a necessidade de preservar a imunidade parlamentar sem permitir sua deturpação.

A democracia exige um Legislativo forte, independente e plural. Para isso, é imprescindível que vereadores, deputados e senadores tenham liberdade real para fiscalizar, denunciar e se posicionar,

Entretanto, essa liberdade não pode se converter em salvo-conduto para prática de crimes contra a honra, nem para discursos hostis, misóginos ou que violem direitos fundamentais.

No Acre, onde a representação feminina nos parlamentos é muito inferior ao desejável, episódios de desrespeito ultrapassam as pessoas diretamente atingidas: criam barreiras simbólicas, intimidam e afastam outras mulheres da vida política.

Isso também precisa ser dito quando falamos sobre limites.

Em síntese, a imunidade parlamentar é essencial, mas seu propósito é institucional, não pessoal. Ela protege a função, e não a agressão. Protege a crítica política, não o ataque moral. Protege o debate democrático, não o discurso que humilha.

Democracia se faz com divergência, firmeza e coragem, mas também com responsabilidade.