Mortos na Penha e no Alemão revelam drama social da juventude perdida entre o crime e o esquecimento; 1/3 não tem o nome do pai no registro de nascimento
A divulgação recente dos perfis de civis mortos durante a megaoperação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) nos complexos da Complexo do Alemão e da Complexo da Penha, na zona norte do Rio, no dia 28 de outubro de 2025, traz uma fotografia inquietante da ação policial e de suas consequências.
Quase uma semana após a intervenção, em que foram contabilizados 121 mortos, a corporação liberou uma lista com 115 perfis identificados, excluindo os quatro agentes de segurança mortos e dois casos com perícia inconclusiva.
Todos os nomes divulgados são de homens, com idades variando entre 14 e 55 anos. A média e mediana de idade são de 28 anos. Dos 115 identificados, 44 (38 %) nasceram no estado do Rio de Janeiro.
Cerca de ⅓ dos casos não registram o nome do pai na ficha de filiação — 36 vítimas constavam apenas a mãe como referência familiar. Além do fato de que mais metade das pessoas apontadas tinham ao menos um mandado de prisão (ou, no caso de menores, de busca e apreensão) pendente.
A PCERJ informa ainda que mais de 95% dos perfis identificados “apresentavam ligação comprovada com a Organização Criminosa”.
A lista revela também que uma parcela significativa das vítimas era oriunda de outros estados: entre os identificados, foram apontados homens naturais do Pará (19), Amazonas (9), Bahia (12), Goiás (9) e outros, além de ao menos um de São Paulo e um do Distrito Federal. Essa dispersão nacional sugere a presença e a mobilidade de redes criminosas interestaduais.
Apesar da extensão da divulgação de dados, que incluem RG, CPF, fotos, perfis de redes sociais, histórico de mandados e antecedentes criminais, permanecem questionamentos quanto à transparência e à completa identificação dos mortos. Por exemplo:
Há dois casos de perícia inconclusiva. A origem e condição exata de algumas vítimas não estão totalmente documentadas. A escala da operação e o elevado número de mortos, a maior registrada em operação policial no Estado do Rio de Janeiro levantam preocupações de organizações de direitos humanos sobre proporcionalidade, uso da força e respeito aos direitos fundamentais. Apesar da ligação apontada com facção e mandados, não há confirmação pública de que todos os mortos estavam formalmente denunciados ou julgados, o que exige cautela sob a ótica jurídica.
Para além da operação em si, o caso exige atenção a procedimentos que garantam completa, célere e imparcial investigação dos óbitos, com preservação de vestígios, autópsias independentes e direito de família à identificação e esclarecimento; análise crítica da atuação policial em contexto urbano de grande densidade populacional, considerando protocolos internacionais de direitos humanos e Lei de Execução Penal; políticas mais amplas de segurança pública que envolvam atuação preventiva, combate às causas estruturais da criminalidade e modulação de operações de alto impacto, com menor letalidade.
O retrato levantado pela PCERJ, de homens jovens, majoritariamente com mandados ou histórico criminal, muitos originários de fora do estado, aponta para o perfil de “mão de obra” das organizações criminosas, conforme comentam especialistas.
Mas o elevado número de mortos, a segmentação geográfica e demográfica e as lacunas de identificação mostram que, para além da confrontação, há uma necessidade urgente de controle, transparência e responsabilização, elementos vitais para o estado de direito.