O silêncio que mata: homens, poder e a violência contra as mulheres
Até quando as mulheres precisarão gritar para serem ouvidas?
Até quando será necessário explicar o óbvio: que nenhuma forma de violência é aceitável?
E até quando a sociedade seguirá tratando a violência contra a mulher como um problema privado, quando ela já se consolidou como uma grave questão social e de saúde pública?
No Brasil, os dados seguem alarmantes. A violência contra a mulher ocorre, em sua maioria, dentro de casa e é praticada por homens que mantêm ou mantiveram vínculos afetivos com as vítimas. O feminicídio não é um evento isolado, mas o ponto final de um ciclo contínuo de agressões, ameaças e silenciamentos que a sociedade insiste em relativizar.
No Acre, essa realidade não é diferente. Dados oficiais da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública revelam números elevados de registros de violência doméstica e familiar, além do crescimento na concessão de medidas protetivas. Os feminicídios registrados no estado seguem um padrão recorrente: mulheres assassinadas por parceiros ou ex-companheiros. Cada caso deixa marcas profundas — famílias desestruturadas e crianças que se tornam órfãs de uma violência que poderia ter sido evitada.
Essa realidade contrasta com outro dado igualmente evidente: o protagonismo das mulheres acreanas. Elas estão presentes nos movimentos sociais, nas lutas ambientais, na economia criativa, no comércio, na organização comunitária e na sustentação de milhares de lares. As mulheres movem a economia, mantêm comunidades vivas e ocupam papel central na vida social do estado. Ainda assim, seguem sendo as principais vítimas da violência de gênero.
Há um cansaço coletivo que precisa ser reconhecido. Cansaço de denunciar, de justificar, de explicar comportamentos que não deveriam ser tolerados. Avançamos, é verdade, mas caminhamos a passos lentos quando o assunto é a educação dos homens e para os homens. A mudança cultural necessária ainda encontra resistência, especialmente entre aqueles que ocupam espaços de poder.
É preciso afirmar com clareza: não cabe às mulheres a responsabilidade de interromper a violência que os homens praticam. A transformação exige que os próprios homens assumam esse enfrentamento. E, para aqueles que ocupam cargos públicos, posições de liderança institucional, religiosa, política ou administrativa, essa responsabilidade é dupla. Ao assumir um cargo, assume-se também o dever de enfrentar causas que representam grandes chagas sociais e a violência contra a mulher é uma delas.
Já passou do tempo de tratar esse tema como pauta eventual. O enfrentamento à violência contra as mulheres precisa estar incorporado à agenda cotidiana de quem governa, legisla, julga, administra e comunica. O silêncio diante de piadas machistas, a relativização de agressões, a omissão em espaços de poder não são neutros. Eles sustentam o ciclo da violência.
As políticas públicas, em grande parte, ainda operam de forma reativa. A Lei Maria da Penha é uma conquista histórica e indispensável, mas não suficiente. Punir depois que a violência acontece não transforma a estrutura que a produz. O enfrentamento exige prevenção, educação permanente, acompanhamento contínuo e responsabilização efetiva.
Nesse contexto, os espaços de comunicação têm papel estratégico. É fundamental que a imprensa se posicione de forma responsável, sem revitimizar mulheres em situação de violência, sem reforçar estigmas ou culpabilizações. Dar visibilidade ao problema, tratar o tema com seriedade e compromisso ético é parte do enfrentamento. A comunicação também educa, pressiona e mobiliza.
Por isso, é essencial pensar os meios de comunicação como aliados e observadores permanentes dessa realidade verdadeiros observatórios sociais dando visibilidade não apenas à violência, mas também às pautas de educação, gênero, autonomia econômica e oportunidades para as mulheres. A pressão social informada é um dos caminhos para que mudanças concretas aconteçam.
A violência contra a mulher não é um desvio individual.
É um fenômeno social sustentado por desigualdades históricas, pelo machismo estrutural e pela omissão coletiva.
Quando a violência se repete, não é coincidência.
Quando mulheres morrem, não é fatalidade.
É falha social.
Como alertou Simone de Beauvoir, os direitos das mulheres nunca estão plenamente garantidos. Eles precisam ser defendidos continuamente. A vigilância não é exagero é condição para evitar retrocessos.
Romper o silêncio não é opção.
É responsabilidade coletiva.
Sobre a autora : Lidianne Cabral é educadora social, produtora cultural e comunicadora. Atua há mais de 30 anos na promoção de direitos, cultura e desenvolvimento social para mulheres no Acre. É comunicadora do jornal Alerta Cidade e lidera a Associação de Mulheres Empreendedoras – Elas Fazem Acontecer ACRE, movimento que fortalece a autonomia econômica e o protagonismo feminino no estado.