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Será que, se fosse guerra de verdade, 120 ‘bandidos’ matariam apenas 4 policiais? A conta não fecha

A recente megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, já considerada a mais sangrenta da história do país, expõe de forma brutal o abismo entre discurso e realidade no combate ao crime. O saldo é estarrecedor: mais de 120 mortos, em contraste com quatro policiais. Os números, frios e cruéis, levantam uma pergunta inevitável, a conta não fecha. Se fosse realmente um confronto, uma “guerra”, como as autoridades e parte da mídia nacional insistem em chamar, seria plausível imaginar que 120 “bandidos” armados teriam sido incapazes de causar mais baixas entre as forças policiais?

O que se vê, na verdade, é um uso desproporcional e abusivo do poder bélico do Estado. Helicópteros sobrevoando comunidades como se fossem zonas de guerra, tiros indiscriminados, invasões a residências e execuções sumárias travestidas de “enfrentamentos”. A retórica da “guerra ao crime” serve como escudo para legitimar o que, em muitos casos, é a execução sistemática de pessoas pobres, negras e periféricas. Não há guerra quando apenas um lado tem o direito de atirar, investigar e depois redigir o relatório oficial. Há massacre.

As autoridades, por sua vez, tentam justificar a operação como um “golpe contra o tráfico”, mas a linha que separa o combate ao crime do extermínio social parece ter sido ultrapassada há muito tempo. O número descomunal de mortos revela uma assimetria de poder e de narrativa: cada corpo encontrado é reduzido a um “suspeito”, mesmo quando há relatos de inocentes trabalhadores, estudantes, moradores que foram atingidos no fogo cruzado ou executados em becos e vielas. O silêncio institucional diante dessas mortes é ensurdecedor.

Mais do que uma tragédia pontual, o episódio expõe a lógica de uma política de segurança pública falida, que insiste em tratar pobreza como crime e território periférico como campo de batalha. Quando o Estado entra em uma comunidade e deixa mais de uma centena de corpos pelo caminho, não há vitória. Há genocídio social, há fracasso político, há negligência moral. A conta não fecha e enquanto a sociedade aceitar esse cálculo distorcido, o sangue continuará sendo a moeda com que se compra a ilusão de segurança.

Imagem: Eduardo Anizelli