Em um dia comum, quem transita pelo Complexo Habitacional Cidade do Povo, em Rio Branco, vai, eventualmente, encontrar pequenos grupos de policiais militares conversando com moradores, visitando comércios, escolas e órgãos públicos. Não precisa ser um observador muito atento para perceber que são vistos pelos locais como parte da comunidade. Mas nem sempre foi assim.
O bairro, que sofria com altos índices de criminalidade e disputas territoriais por organizações criminosas, em meados de 2023 passou a ser atendido pelo Programa de Polícia Comunitária e Direitos Humanos (PPCDH) da Polícia Militar do Acre (PMAC) e agora coleciona muitas histórias positivas.
A moradora Priscila Gomes, de 37 anos, faz parte de uma dessas histórias. Em uma casa humilde, onde vive com o esposo e seis filhos, trava uma batalha silenciosa contra um câncer, que a deixou debilitada e com dificuldades para conseguir até mesmo itens básicos para sobreviver. Foi quando entraram em cena os militares do policiamento comunitário.
As equipes, cientes da situação da moradora, mobilizaram outros órgãos e entidades, entre eles a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), o Conselho Tutelar e a unidade de saúde, além do presidente do bairro. Toda a rede se reuniu e conseguiu a ajuda que a família precisava: benefícios sociais, aposentadoria por problemas de saúde e donativos de alimentos e roupas.
“Quando [os policiais militares] chegaram até mim, o meu diagnóstico era de que não tinha mais jeito. Mas sempre acreditei que a última palavra vem de Deus, e Ele me deu apoio através da polícia, para me alimentar, dar de comer às minhas filhas, até mesmo pra resolver minha aposentadoria. Agradeço muito. Minhas filhas tinham medo da polícia, mas agora acreditam que estão aqui para proteger. Eu creio que isso tudo é um processo. Deserto não é lugar de morada, e se um dia precisei dessa ajuda, foi porque o Mestre permitiu, mas também colocou anjos para me ajudar”, relata Priscila, emocionada.
O capitão Marcelo Araújo, coordenador do programa, diz que este é apenas um caso de muitos que vivencia todos os dias durante o trabalho. “No caso da dona Priscila, nós tivemos conhecimento por meio da própria comunidade. Ela estava desassistida, e nós nos mobilizamos e ajudamos. A gente continua acompanhando, e temos ajudado sempre que possível. Essa é a essência do policiamento comunitário: a gente fazer parte da comunidade e se envolve nas questões dela”, pontuou.
As ações do programa fazem parte do planejamento estratégico da Polícia Militar, com incentivos do governo do Estado, por meio de suas secretarias, que conferem apoio logístico com a aquisição de equipamentos, projetos e a elaboração de uma série de medidas estratégicas preventivas para a região.
Impacto a longo prazo
Toda a comunidade é envolvida por esta modalidade de policiamento, mas as escolas ganham um espaço especial no programa. De todos os projetos implementados, dois se destacam por envolverem o público infanto-juvenil e por trabalharem na educação a longo prazo: os projetos Guardiões da Paz e Semeando o Futuro. Atualmente, estão em todas as unidades educacionais da região e já garantiram, somente em 2023, um total de dez mil atendimentos, além da formação de mais de dois mil alunos. Os projetos compreendem palestras, atividades físicas, instruções cívico-morais, atividades recreativas, visitações e mediações de conflitos.
A Escola de Ensino Fundamental Professora Cristina Maia, que atende 335 alunos no complexo, tem experiências positivas com o programa. A diretora, Rejane Araújo, conta que, após trabalhar por 32 anos na Educação, se sente esperançosa ao ver os alunos envolvidos e influenciados por ações da Polícia Militar. Ela garante que não apenas os estudantes, mas os pais e, consequentemente, toda a comunidade colhem os frutos da parceria com os militares.
“Houve uma mudança de comportamento muito positiva, tanto em relação aos nossos alunos como dos seus próprios responsáveis, a partir do momento que viram que o policiamento estava dentro da escola com esse trabalho impactante. Os próprios servidores se sentiram protegidos, e isso desvincula aquela imagem de polícia que existia, truculenta, que só estava ali para reprimir. A gente já viu vários exemplos de crianças que diziam querer ser marginais e, com a presença da polícia aqui, mudaram essa concepção. Hoje, quando a gente faz as mesmas perguntas, eles dizem que querem ser policiais, médicos, advogados, e isso é muito gratificante, pois nos dá um vislumbre das mudanças que começaram a acontecer”, pontua a diretora.
Construção de confiança
As ações não se resumem somente às escolas, mas compreendem também o Patrulhamento Comunitário, outro projeto do programa, que atua mediante interação com a comunidade, órgãos e instituições na região, bem como com o comércio. Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade do Povo, a interação entre os militares e as pessoas que procuram por atendimento dá a dimensão do alcance social do programa.
Noemi Rodrigues é gerente-geral da Unidade de Saúde e garante que os policiais todos os dias caminham pelos corredores, conversam e cumprimentam as pessoas, são vistos como parte da comunidade. “Nós sentimos muita tranquilidade, pois são nossos amigos, convivem com a gente, e isso traz essa sensação. Não vemos nenhum olhar de reprovação, muito pelo contrário. Eu sei que no passado as pessoas tinham medo de vir à UPA, até pela fama que a Cidade do Povo tinha, de lugar perigoso, mas essa educação, essa gentileza com que os policiais agem, construíram uma relação de confiança no nosso ambiente”, destaca a gestora.
Essa aproximação, no entanto, não foi tarefa fácil. Nos bastidores desse trabalho, a história de cada um dos profissionais acrescenta um pouco de humanidade em uma área quase sempre estigmatizada por exemplos negativos. É o caso do soldado Romário Santana, que atua no policiamento comunitário desde sua implementação, em 2023. Quando criança, o militar participou de um projeto social da PM em Rodrigues Alves, município onde nasceu, e garante que essa influência definiu os rumos de sua vida e o ensinou a ser um bom profissional.
“Eu tento buscar muitas das coisas que eu lembro da época: tratar as pessoas da forma que eu fui tratado, aplicar os valores e aprendizado no que me proponho a fazer hoje. No policiamento comunitário, o nosso grande objetivo é a mudança de comportamento, construir uma relação onde todos se ajudam na resolução dos problemas em comum. Tenho a honra de retribuir o apoio que tive na minha infância, e cada sorriso de gratidão que vejo nos rostos das pessoas é uma recompensa imensurável”, compartilha o policial.
Em todo o estado
Além das ações no Complexo Habitacional Cidade do Povo, o programa de policiamento comunitário se estende a todo o Estado, com projetos sociais e ações preventivas voltadas, principalmente, às comunidades mais carentes.
Ações realizadas em parceria com outros setores do governo, como o Acre pela Vida, fortalecem os laços com a polícia e criam um ambiente mais seguro e acolhedor para as famílias de regiões periféricas ou com histórico de violência.
Texto/Imagens: Agência de notícias do Acre