
O “Rancho do Maia” e a reedição dos Circos de Horrores: entre o entretenimento e a exploração humana
Texto por George Naylor com colaboração Germano Marino
Nos últimos anos, o fenômeno dos influenciadores digitais tomou proporções avassaladoras, criando novas formas de consumo de conteúdo e de espetacularização da vida alheia. Nesse contexto, surge o chamado “Rancho do Maia”, projeto do influenciador Carlinhos Maia, apresentado como entretenimento, mas que na prática resgata práticas condenáveis e capacitistas, ao expor pessoas em situação de vulnerabilidade física, intelectual ou social sob a falsa promessa de oportunidade e inclusão.
O formato do programa dialoga diretamente com uma das páginas mais sombrias da história do entretenimento moderno: os “freak shows” ou circos de horrores dos séculos XIX e XX. Neles, pessoas com nanismo, albinismo, deformidades genéticas ou qualquer característica considerada “fora do padrão” eram transformadas em atrações exóticas, gerando lucro e diversão à custa da ridicularização e do sofrimento humano. O que naquela época já se configurava como exploração hoje seria crime volta a ser normalizado sob a roupagem do digital, travestido de humor e caridade.
Em um momento histórico no qual a sociedade se esforça para avançar em inclusão, diversidade e direitos humanos, o “Rancho do Maia” representa um retrocesso ético. Ao invés de abrir espaço para narrativas que valorizem pessoas com deficiência como sujeitos de direitos e de potência, o programa perpetua estereótipos e reforça a lógica da humilhação como espetáculo. É o riso que nasce não da empatia, mas da exploração.
Mais grave ainda é perceber que muitos dos participantes não têm plena noção de que estão sendo usados como instrumentos de audiência e engajamento. Movidos pela esperança de uma vida melhor ou de visibilidade que lhes traga novas oportunidades, acabam se submetendo a situações de exposição que, em vez de emancipá-los, reforçam sua vulnerabilidade. O que se vende como chance de transformação é, na verdade, uma armadilha emocional e social.
Esse mecanismo não se sustenta apenas pelo carisma do influenciador, mas também pelo apoio de grandes empresas patrocinadoras, que lucram com a audiência enquanto exibem, em outros contextos, um discurso de responsabilidade social e diversidade. A contradição é evidente: ao mesmo tempo que se posicionam publicamente como defensoras da inclusão, financiam e legitimam práticas que perpetuam capacitismo, transfobia, intolerância religiosa e exploração da fragilidade humana. Essa incoerência revela que, muitas vezes, a pauta da diversidade se transforma apenas em estratégia de marketing, esvaziada de compromisso real.
A cena de pessoas acampadas nas proximidades do “rancho”, em busca de uma chance ilusória de ascensão, é um retrato cruel da desigualdade social explorada em benefício do entretenimento digital. O sonho vendido é, na realidade, a perpetuação da precariedade, agora registrada e compartilhada em rede.
Portanto, o “Rancho do Maia” não pode ser reduzido a mera “brincadeira” ou “conteúdo de entretenimento”. Trata-se de um desserviço à sociedade, que reforça estigmas, perpetua preconceitos e resgata práticas condenáveis do passado. Em um tempo no qual a valorização da diversidade deveria ser a tônica, ver pessoas sendo expostas e ridicularizadas em busca de likes e engajamento é prova de que o caminho da empatia ainda está longe de ser trilhado plenamente.
O circo de horrores do século XXI está disfarçado de humor digital. Mas não há graça alguma na humilhação. Se a sociedade não reagir, corremos o risco de retornar a uma era em que o sofrimento humano era aplaudido como espetáculo uma verdadeira idade das trevas da ética e social.